sexta-feira, 27 de maio de 2011

ÁRVORE GENEALÓGICA - Luis Fernando Veríssimo

 Mãe, vou casar! 
 - Jura, meu filho?! Estou tão feliz! Quem é a moça? 
 - Não é moça. Vou casar com um moço. O nome dele é Murilo. 
 - Você falou Murilo... Ou foi meu cérebro que sofreu um pequeno surto psicótico? 
 - Eu falei Murilo. Por que, mãe? Tá acontecendo alguma coisa? 
 - Nada, não... Só minha visão que está um pouco turva. E meu coração, que talvez dê uma parada. No mais, tá tudo ótimo. 
 - Se você tiver algum problema em relação a isto, melhor falar logo... 
 - Problema? Problema nenhum. Só pensei que algum dia ia ter uma nora... Ou isso. 
 - Você vai ter uma nora. Só que uma nora... Meio macho. Ou um genro meio fêmea. Resumindo: uma nora quase macho, tendendo a um genro quase fêmea..... 
 - E quando eu vou conhecer o meu. A minha... O Murilo? 
 - Pode chamar ele de Biscoito. É o apelido. 
 - Tá! Biscoito... Já gostei dele... Alguém com esse apelido só pode ser uma pessoa bacana. Quando o Biscoito vem aqui? 
 - Por quê? 
 - Por nada.. Só pra eu poder desacordar seu pai com antecedência. 
 - Você acha que o Papai não vai aceitar? 
 - Claro que vai aceitar! Lógico que vai. Só não sei se ele vai sobreviver... Mas isso também é uma bobagem. Ele morre sabendo que você achou sua cara-metade. E olha que espetáculo: as duas metade com bigode. 
 - Mãe, que besteira... Hoje em dia... Praticamente todos os meus amigos são gays. 
 - Só espero que tenha sobrado algum que não seja... Pra poder apresentar pra tua irmã. 
 - A Bel já tá namorando. 
 - A Bel? Namorando?! Ela não me falou nada... Quem é? 
 - Uma tal de Veruska. 
 - Como? 
 - Veruska... 
 - Ah!, bom! Que susto! Pensei que você tivesse falado Veruska. 
 - Mãe!!!.... 
 - Tá..., tá..., tudo bem... Se vocês são felizes. Só fico triste porque não vou ter um neto... 
 - Por que não? Eu e o Biscoito queremos dois filhos. Eu vou doar os espermatozóides.. E a ex-namorada do Biscoito vai doar os óvulos. 
 - Ex-namorada? O Biscoito tem ex-namorada? 
 - Quando ele era hétero... A Veruska. 
 - Que Veruska? 
 - Namorada da Bel... 
 - "Peraí". A ex-namorada do teu atual namorado... E a atual namorada da tua irmã. Que é minha filha também... Que se chama Bel. É isso? Porque eu me perdi um pouco... 
 - É isso. Pois é... A Veruska doou os óvulos. E nós vamos alugar um útero. 
 - De quem? 
 - Da Bel. 
 - Mas. Logo da Bel?! Quer dizer então... Que a Bel vai gerar um filho teu e do Biscoito. Com o teu espermatozóide e com o óvulo da namorada dela, que é a Veruska. 
 - Isso. 
 - Essa criança, de uma certa forma, vai ser tua filha, filha do Biscoito, filha da Veruska e filha da Bel. 
 - Em termos... 
 - A criança vai ter duas mães: você e o Biscoito. E dois pais: a Veruska e a Bel. 
 - Por aí... 
 - Por outro lado, a Bel..., além de mãe, é tia... Ou tio... Porque é tua irmã. 
 - Exato. E ano que vem vamos ter um segundo filho. Aí o Biscoito é que entra com o espermatozóide. Que dessa vez vai ser gerado no ventre da Veruska... Com o óvulo  da Bel. A gente só vai trocar. 
 - Só trocar, né? Agora o óvulo vai ser da Bel. E o ventre da Veruska.. 
 - Exato! 
 - Agora eu entendi! Agora eu realmente entendi... 
 - Entendeu o quê? 
 - Entendi que é uma espécie de swing dos tempos modernos! 
 - Que swing, mãe?!!.... 
 - É swing, sim! Uma troca de casais... Com os óvulos e os espermatozóides, uma hora no útero de uma, outra hora no útero de outra... 
 - Mas... 
 - Mas uns tomates! Isso é um bacanal de última geração! E pior... Com incesto no meio... 
 - A Bel e a Veruska só vão ajudar na concepção do nosso filho, só isso...
 - Sei!!!... E quando elas quiserem ter filhos... 
 - Nós ajudamos. 
 - Quer saber? No final das contas não entendi mais nada. Não entendi quem vai ser mãe de quem, quem vai ser pai de quem, de quem vai ser o útero, o espermatozóide... A única coisa que eu entendi é que..... 
 - Que...? 
 - Fazer árvore genealógica daqui pra frente... vai ser foda. 


 (Luis Fernando Veríssimo)

2 comentários:

  1. Excelente texto, moderno e crítico para um bom bate-papo

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    1. E atual, professor. Obrigado pelo comentário. Poucos brasileiros têm visitado o blog. Logo estarei trazendo outros textos, de minha criação pra cá. Abraço.

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